quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Essência

Da concepção
O gozo
Do nascimento
O choro
Da infância
A inocência
A euforia
Da adolescência
Da juventude
A atitude
Da maturidade
A identidade
Da velhice
A saudade
Da morte
O sono eterno.

Natália Abreu

O meu esconderijo

Meu esconderijo
Difícil dizer o que é
Seria abrigo?
Encontro do Eu
Comigo?
Para onde me dirijo
Quando meu peito está aflito?
Lugar mais compreensivo,
Ouvinte melhor não há
Posso afirmar!
Decifra meus sussurros
Permite-me chorar
Não me questiona
Permite-me falar
Não me censura
Faz silêncio, lá
Acalmo-me aqui
Sabe dos meus segredos
Promete não revelar
Medo não tenho
Acaso venha agoniar,
Só, não me consente ficar
Eis o meu lugar,
Esconderijo que é
Meu infindo pensar
Sem amarras de amargas regras
Insano não hei de estar
Mas livre...
Sabe-se
Neste insólito lugar:
Palpites sobre política,
Filosofia, religião
De mim, ligeiras fraquezas,
Freqüentes tolices, flébil coração
De ti, eloqüente desejo,
Fecundo beijo, ardente paixão.


Natália Abreu

sábado, 25 de setembro de 2010

Somos de Peixes




Muito temos em comum
Muito temos de diferente.
Somos de peixes.
Somos da imensidão do oceano,
Somos de coração quente,
De emoções musicais,
De envolvimento ativo,
De entrega,
De fantasias latentes.
De sinceridade,
De persistência.
De sensibilidade,
De momento,
Somos de toque,
De cheiro,
De beijo,
De pele,
De arrepios,
E de pensamentos...
Confusos pensamentos.
Somos de peixes.
Talvez por isso
Nadamos em direção ao nada
Mas nadamos em direção à luz.
Quanto mais profundo o mergulho,
Mais escuro.
Vez ou outra
Optamos pela superfície.
Mas não tente nos segurar
Ou vai nos ver escapando pelos dedos.
Somos de liberdade,
De livres impedimentos,
De ausentes limites.
Quase nunca nos apanha o medo.
Resistimos ao frio,
Ao calor,
À correnteza.
Por detrás de nossas escamas
Eis tamanha fortaleza.
Somos de peixes.
Vimos nas coisas simples
As mais valiosas,
O valor além da matéria.
A musicalidade de uma poesia.
A perfeição de uma prosa.
A imaginação num beijo apaixonado.
A essência,
A existência,
Credos dos quais
Por muitos abandonados.
De detalhes, somos.
Amantes, somos.
Realidade e sonhos.
Nossa natureza é essa,
Ainda que esteja poluído
O nosso oceano de solidão.
Alguns pensam que morremos pela boca.
Mal sabem que morremos pelas omissas
Questões do coração.
Somos de peixes.



Natália Abreu

Quem nunca quis ser borboleta?


E dormir uma lagarta e acordar uma borboleta?
Ser admirada de qualquer forma que se apresente...
E ser das mais variadas cores que nenhuma Faber Castel consegue imitar...
Eu já quis ser borboleta...
E bater as asas para um jardim encantado.
Conhecer a beleza das flores,
O cheiro delas.
E voar...
Dormir lagarta e acordar borboleta!
E não ter destino algum.
E voar...
Com a leveza de uma seda,
Com as cores do arco-íres,
Com a magia perfeita da natureza.
E pousar...
Somente quando cansada estiver,
Ou quando de perto quiser sentir uma pétala.
E repousar...
Sob o “calor quentinho” do sol,
Sob o sopro fresquinho do vento,
Sob uma sombra,
Sob as gotas frias da chuva.
E dormir lagarta?
Quem nunca quis ser borboleta?

Natália Abreu

Sobre o presente, passado e futuro




O que é o presente?
Já se foi.

O que é o futuro?
Presente que jaz.

Tudo, passado é.
Passado que a gente mesmo faz.



Natália Abreu

Se eu pudesse...



Se eu pudesse, voltava a ser primata.


Descobriria o fogo.
Fazia abrigo.
Em nome da espécie,
Proteger.


Hoje, homem civilizado


Descobre armas.
Faz-se guerra.
Em nome do dinheiro
E do poder.




Natália Abreu

Rabisco


Sentimento calado
Convertido em letras
Da ponta da caneta
Rabiscos talhados.
Sentimento não dito
Em apuros, aflito
Quer ser há muito,
Falado.
Faz-se solidão, do contrário.
Bruto diamante
A ser lapidado
Liberto
Das linhas de um mudo diário.
Há de extrapolar o papel.
Escrito, tão somente,
É solitário.
As letras não sentem.
Pelejam, em vão,
Imitá-lo.
Quer ganhar vida,
O sentimento
De maneira incondicional.
Quer sair das entrelinhas,
O sentimento
E ser, simplesmente real.


Natália Abreu

Das estações



No inverno,
Que seja quente.
No outono,
Que seja breve.
Na primavera,
Que seja cinza.
No verão,
Que seja neve.



Natália Abreu

O dia





Hoje ele me ama,
Mas eu digo que não.

Ontem pelejei um beijo,
Ele sequer, aperto de mão.

Amanhã,
Pode ser que eu queira.

E se ele disser que não?
Um dia, “o dia” se encontra

Nos desencontros do coração.




Natália Abreu

O mistério da morte


Gosto de pensar na vida.
Pensar na morte me deprime demais!

Penso, enquanto vivo.
Postumamente...

Já não sei mais.




Natália Abreu

Ouro preto



Janela beirando a calçada.

Ruas calçadas de pedras.

Pés calçados de história.

O que vedes

Sobre o solo das minas,

Sob o céu de uns e outros

É o que nasceu

Do sangue crioulo.

“Ouro preto”.

E o que libertou essas almas

Também as aprisionou

Em calabouços.

No fim do dia,

Mais um dia.

Obras erguidas,

Corpos recolhidos,

Almas esquecidas.



Natália Abreu

O universo e eu


Olhei o céu com estranheza

O que sou diante do universo?

Um infinito

Que encanta quem o admira

E assusta

Quem tenta desvendá-lo.

O que sou, meu Deus,

Diante do universo?

Sou cisco,

Sou massa,

Sou átomo.

Sou o que diz a luz,

Sou o sol em mim.

Sou nada no espaço e no tempo.

Que espaço?

Que tempo?

Neste instante

Já não sou mais eu.

Sou futuro que virou passado.

Sou alguma coisa pensante,

Com prazo de validade.



Natália Abreu